Quando se fala sobre o consumo de açúcar em crianças, encontramos dois polos: os que afirmam que “um pouco de açúcar nunca matou ninguém” e os que recusam completamente o seu consumo. Mas e a Ciência, o que nos diz sobre o assunto?

O Comité de Nutrição da ESPGHAN (Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica Hepatologia e Nutrição) recomenda que a ingestão de açúcares livres deve ser inferior a 5% do consumo energético total de crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os 2-18 anos. Refere ainda que o consumo de açúcares simples é completamente desaconselhado antes dos 2 anos de idade.

É importante realçar que as doses limite diárias de açúcar da ESPGHAN fazem referência aos açúcares livres e não ao açúcar total! E aí surgem muitas dúvidas: será que o açúcar é todo igual? E o açúcar da fruta? Como distinguimos nos rótulos?

Vamos por partes!

Açúcaré um termo muito amplo e incluí designações com significados diferentes.

🍎🥕🥛 AÇÚCARES NATURALMENTE PRESENTES – Açúcares naturalmente presentes na fruta, hortícolas, leite, lacticínios e alguns grãos.

🍭🍫🍯 AÇÚCARES LIVRES – Monossacarídeos e dissacarídeos adicionados aos alimentos pela indústria, pelo consumidor, além dos açúcares naturalmente presentes no mel, xaropes e sumos de fruta.

É importante realçar que os açúcares livres têm um impacto fisiológico muito diferente dos açúcares naturalmente presentes há provas consistentes de que o consumo de açúcares livres é um dos maiores contribuintes para o aumento de peso, obesidade, cáries dentárias, e outros efeitos adversos para a saúde das nossas crianças.

O esquema abaixo ajuda a distinguir os açúcares livres dos açúcares naturalmente presentes.

Sempre que possível, o açúcar deve ser consumido de uma forma natural, nomeadamente, através de leite humano, leite de vaca, produtos lácteos não adoçados (por exemplo, iogurte natural), frutas inteiras e hortícolas, em detrimento dos sumos de fruta, produtos lácteos açucarados, entre outros produtos alimentares compostos com açúcares livres.

Na tabela abaixo, encontram as doses limite/dia de açúcares livres da ESPGHAN.

Quando observamos os rótulos, os hidratos de carbono “dos quais açúcares” fazem referência aos AÇÚCARES LIVRES + os AÇÚCARES NATURALMENTE PRESENTES no alimento (AÇÚCAR TOTAL).

E agora vocês perguntam: “Se as doses limite são apenas referentes aos açúcares livres, mas no rótulo aparece o açúcar total, como distinguimos?”.

É confuso, eu sei. Mas simplifiquem. Qualquer produto que tenha açúcar (açúcar livre) na lista de ingredientes, contabilizem esse “DOS QUAIS AÇÚCARES” como referência nas doses limite. Sabemos que dentro desse açúcar total, podemos ter açúcar naturalmente presente, mas é preferível jogarmos pelo seguro e termos sempre um intervalo de confiança.

No exemplo abaixo, verificamos que temos cerca de 10g de açúcar total, ou seja, segundo as doses da ESPGHAN para uma criança entre 2- 4 anos (15-16g) através de apenas um iogurte de aroma quase que atingimos as doses limite.

Contudo, temos outro problema! O açúcar aparece na lista de ingredientes de diversas formas e com diferentes designações. Não se deixem enganar pela falácia do “sem açúcares adicionados” – nestes casos, o produto é isento de açúcar adicionado no seu estado “mais puro” (sacarose), mas pode estar presente de outras formas.

Estes são alguns exemplos!

A frutose e lactose apesar de serem açúcares naturalmente presentes em alguns alimentos – como a fruta e o leite, respetivamente – passam a ser açúcares livres quando são adicionados ao alimento! Se aparecerem na lista de ingredientes são açúcares adicionados, logo açúcares livres.

Os sumos concentrados e polpas de fruta adicionadas são também formas disfarçadas de adoçar os alimentos – principalmente naqueles que são dirigidos a crianças.

Concluindo,

Podemos oferecer produtos com açúcar adicionado às nossas crianças?

Antes dos 2 anos, idealmente, nunca.

Depois dos 2 anos, sim podemos – com peso e medida! Como conseguimos verificar através dos exemplos, as doses limite de açúcar são facilmente atingidas e o açúcar aparece muitas vezes “disfarçado”. Portanto, a partir desta idade podemos oferecer alguns alimentos com açúcar, caso a criança tenha curiosidade (nunca incentivar!), e tentem que seja um consumo tranquilo, isto é, não oferecer esses alimentos como recompensa de algo e com conotações negativas. Não se esqueçam que o fruto proibido é sempre o mais apetecido e o açúcar também pode fazer parte de uma alimentação saudável. Equilíbrio é sempre a palavra-chave.

Referências

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