Não posso deixar de referir para esta faixa etária este ponto, que penso que está tão esquecido nas recomendações que se fazem em Portugal e que é tão importante e já tão bem fundamentado pela ciência: a necessidade de guiar o bebé, dos 6 aos 9 meses, na descoberta das texturas dos alimentos.

Leiam por favor com muita atenção:

Em 2017, a Sociedade Europeia de Gastroenterologia e Nutrição Pediátrica (na qual a sociedade Portuguesa de Pediatria se baseia para fazer recomendações na área da alimentação complementar) escreveu na atualização das recomendações para a introdução de alimentos: ‘Aos 9 meses, a maioria dos bebés serão capazes de se alimentar sozinhos, de beber água por um copo usando as duas mãos e de comer alimentos de ‘adulto’ com pequenas adaptações (cortados em pedaços pequenos, ou à colher, ou pegando neles à mão).‘

Escreveu ainda: ‘Existe evidência que sugere que há uma janela de oportunidade para a introdução de alimentos sólidos (nomeadamente entre os 7-8 meses) e que ao não se introduzirem neste período e até pelo menos aos 9-10 meses existe uma maior probabilidade de rejeição e de dificuldades alimentares futuras (como a seletividade alimentar). Existe ainda menor probabilidade de aceitação futura de alguns grupos alimentares importantes, como a fruta e os vegetais.’

Já em 2014, no projeto Europeu Habeat que tive o enorme gosto de integrar, escrevíamos sobre a importância da promoção da aceitação das texturas. Este projeto reuniu diversos países e analisou dados de estudos longitudinais e experimentais nesta área e concluímos no guia para os pais:

Por volta dos 7-8 meses comece a dar alimentos que o seu bebé possa segurar com as mãos. Isto vai ajudá-lo a aprender sobre os alimentos e sobre como os mastigar. Vegetais cozinhados levemente e fatias de fruta mole são adequados para o efeito. Gradualmente, o seu bebé vai aprender a comer comida mais sólida em porções maiores e pela sua própria mão!’

O que é então recomendado?

1. Começar pelos purés e progredir, à medida que o bebé está pronto, para alimentos esmagados, grumosos e por fim sólidos (mas moles). Esta transição depende de cada bebé e do seu desenvolvimento, do tipo de alimentos (alguns alimentos, pela sua textura, só podem ser oferecidos à mão mais tarde, para reduzir o risco de engasgamento) e há cortes específicos que se recomendam quando oferecemos alimentos de comer à mão, em função da evolução do desenvolvimento do bebé e consequente capacidade de os agarrar e deglutir. Por exemplo, alimentos cortados pequeninos só podem ser oferecidos quando o bebé expressar o movimento de pinça. Cada bebé vai progredir de forma diferente: alguns precisarão de mais prática com novas texturas antes de passarem a comer alimentos pela própria mão; outros lidarão bem com alimentos de comer à mão moles logo desde os 6 meses. Cada bebé pode ter também a sua preferência e esta pode variar de dia para dia. Por isso não deve existir uma regra rígida para todos, ou seja, cada bebé é único nesta descoberta.

2. Esta transição tem que ser estimulada, pois a maioria dos bebés estarão prontos para texturas mais desafiantes aos 7-8 meses e se nos mantivermos nos purés e papas pode ser mais difícil a sua aceitação mais tarde. Ou seja, aos 7-8 meses devemos quase esquecer as papas moles e a varinha mágica e mesmo os alimentos que damos à colher têm que começar a ser mais esmagados que triturados. Nesta fase o bebé deve já ter contacto com uma grande variedade de alimentos prontos a comer à mão. Mais uma vez: desde que sejam os alimentos certos e no formato certo.

*Uma nota muito importante: quando começamos pelos alimentos de comer à mão e nos mantemos apenas nesse formato (BLW puro) vamos impedir o bebé de fazer esta evolução progressiva da aceitação das texturas. Vai tornar-se mais desafiante para alguns alimentos, que o bebé só estará pronto a comer na dita janela de oportunidades dos 7-8 meses e podemos, por isso, colocar em causa o seu aporte adequado de determinados nutrientes aos 6 meses de idade.

Procure apoio, para que se sinta confiante nesta viagem tão importante: a da descoberta das texturas.

Lisa Afonso

Nutricionista Infantil |Investigadora Doutorada na área do Comportamento Alimentar Infantil

Referências (entre outras):

Taylor CM, Emmett PM. Picky eating in children: causes and consequences. Proc Nutr Soc. 2019 May;78(2):161-169. doi: 10.1017/S0029665118002586. Epub 2018 Nov 5. PMID: 30392488; PMCID: PMC6398579.

Coulthard H, Harris G, Emmett P. Delayed introduction of lumpy foods to children during the complementary feeding period affects child’s food acceptance and feeding at 7 years of age. Matern Child Nutr. 2009; 5(1):75-85. doi:10.1111/j.1740-8709.2008.00153.x