
Com o Sol escondido há tantos meses e famílias confinadas dentro de casa com pouca atividade ao ar livre, muitos pais se questionam sobre a possibilidade de défice de vitamina D das suas crianças.
A vitamina D é das mais estudadas nos últimos anos tendo-se atribuído uma grande variedade de funções únicas em quase todos os sistemas do corpo, particularmente endócrinas, imunológicas e cardiovasculares, apresentando também um papel fundamental na saúde óssea.
Uma das grandes particularidades desta vitamina é uma das suas fontes de aquisição ser através da exposição solar. Os raios ultravioleta do sol metabolizam o colesterol presente na pele em vitamina D, que irá entrar na circulação sanguínea, sendo posteriormente metabolizada no fígado e rins, e utilizada finalmente nas suas diferentes funções.
Apesar de estar presente em alguns alimentos, são escassas as fontes alimentares de vitamina D. Para assegurar uma adequada ingestão de vitamina D, as crianças devem adotar uma dieta equilibrada que contemple leite e derivados, peixe gordo (salmão selvagem, cavala, enguia, anchova, sardinha, peixe-espada e atum), gema de ovo, e alguns cogumelos.
As recomendações de ingestão diária de vitamina D para crianças saudáveis são de 400 Unidades Internacionais (UI) (10 μg) para bebés até aos 12 meses e de 600 UI (15 μg) dos 1 aos 18 anos de idade. Para crianças consideradas de risco para défice de vitamina D, estas recomendações poderão não ser suficientes para atingir os níveis sanguíneos adequados.
O défice grave de vitamina D causa alterações na saúde óssea, assumindo a sua forma mais grave na criança pequena – o raquitismo – alterações ósseas com deformidade e encurvamento dos membros inferiores, resultante do défice na mineralização óssea. O défice de vitamina D também pode ser responsável pela erupção dentária tardia, fraqueza muscular e hiperlaxidez associado a atraso no desenvolvimento motor, entre outros.
Com o uso excessivo de suplementos de forma inadequada, o excesso de vitamina D também é uma realidade, com o aparecimento de sintomas de toxicidade consequentes do aumento dos níveis sanguíneos de cálcio.
São várias as causas de défice de vitamina D: baixas reservas maternas, prematuridade, amamentação exclusiva, obesidade, baixa ingestão de fontes de vitamina D (incluindo nos casos de dieta vegetariana ou vegan), situações de malabsorção intestinal, utilização de determinados medicamentos (corticoides, anticonvulsivantes), baixa exposição solar, maior pigmentação da pele.
O leite materno não apresenta quantidade suficiente de vitamina D para as necessidades do primeiro ano de vida do bebé. Mesmo o leite adaptado, apesar de enriquecido, não atinge a dose diária recomendada se o bebé ingerir menos de 1 litro de leite por dia.
Apesar da exposição solar permitir a síntese cutânea de vitamina D, esta é na maioria dos casos uma fonte insuficiente e que deve ser evitada pelo risco de cancro de pele associado à exposição solar.
Vários estudos demonstraram que seria necessário que uma criança ficasse exposta ao sol 10-15 minutos por dia entre as 10h00 e 15h00 durante a primavera, verão e outono, para atingir níveis adequados de vitamina D através da exposição solar.
A pigmentação cutânea (melatonina) serve de barreira natural aos raios ultravioleta, diminuindo a síntese de vitamina D em crianças de raça negra. Adicionalmente, a utilização de protetor solar essencial na prevenção do cancro de pele, diminui a sua produção (em 95% com fatores de proteção acima de 30).
Apesar da importância inquestionável da realização de atividades ao ar livre com as crianças, tendo em conta as recomendações atuais de evicção de exposição solar em bebés com menos de 6 meses de idade, a utilização de protetor solar e evicção das horas de maior pico de calor, torna-se impraticável tentar manter níveis sanguíneos adequados de vitamina D através do sol.
Nesse sentido, as recomendações internacionais são concisas na suplementação oral de vitamina D durante todo o primeiro ano de vida com 400 UI por dia no recém-nascido de termo (pelo menos até aos 12 meses ou até ao verão seguinte se fizer 12 meses no inverno), quer seja amamentado ou a realizar leite adaptado. No recém-nascido prematuro, essas necessidades são mais elevadas (800 a 1000 UI por dia).
Depois dessa idade, as recomendações são mais variáveis, sendo sugerido por algumas sociedades a sua suplementação regular em crianças e adolescentes com 600 UI por dia, principalmente no inverno. A sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica tem uma opinião mais conservadora, defendendo que são necessários mais estudos para se recomendar a suplementação universal das crianças e adolescentes, devendo ser incentivado políticas de fortificação de alimentos e consumo de alimentos ricos em vitamina D.
Em crianças consideradas de risco de défice de vitamina D (obesidade, dieta vegetariana, doença renal, doença hepática, utilização de corticoides, anticonvulsivantes, raça negra, …), a suplementação oral deve ser considerada acima do ano de idade, pelo menos durante os meses de inverno, paralelamente à recomendação de estilos de vida saudáveis.
É consensual a suplementação universal de vitamina D no primeiro ano de vida, sendo posteriormente necessário avaliar caso a caso, a necessidade de suplementação ao longo da infância e adolescência.
Andreia Ribeiro – Pediatra Up2Kids
Bibliografia:
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