Exterogestação

Em babywearing, um dos conceitos muitas vezes mencionado para nos lembrar da importância do colo é o de exterogestação. Apesar de algumas variações referentes ao tempo que ele abrange consoante os autores, cada um deles com critérios bem justificados, a exterogestação refere-se sempre aos primeiros meses de vida do bebé fora do útero de sua mãe. Para alguns autores, como o próprio Ashley Montagu, que formulou esta teoria, a exterogestação duraria 9 meses. Para outros, como Harbey Karp, que popularizou o conceito, são 3 meses. Para este, uma gestação humana duraria na realidade 12 meses (ou um ciclo anual): 9 in útero e 3 fora do útero.

O que nos diz enão esta teoria da exterogestação sobre os nossos bebés? O que traz ela de tão importante assim? 

Em termos de evolução da espécie humana, já se percebeu que os seres humanos beneficiariam de mais algum tempo in útero para “amadurecer” (ou será que não? 🤔). Então, não somos nós a espécie animal que nasce em estado mais desprotegido e dependente de cuidados? Não somos nós a que mais tempo demora a desenvolver-se e atingir a idade adulta? Por um lado, e esta é a teoria mais conhecida e aceite, é que o ser humano, ao tornar-se bípede, foi apresentando uma gestação menos prolongada, de forma a facilitar a passagem por um canal de parto/pelve cada vez mais estreito (como consequência desse bipedismo). Outra teoria mais recente mas não menos relevante, é a que nos diz que o cérebro humano precisa exatamente de se desenvolver fora do útero, pois somos seres bio-psico-sociais. Esta teoria assenta na evidência da neuroplasticidade, ou seja, na capacidade que o sistema nervoso tem de se moldar, adaptar e desenvolver perante os estímulos ambientais, e que é também a base da construção de memórias, aprendizagens e adaptação a diferentes situações ao longo da vida. É precisamente nos primeiros 12-24 meses de vida que o cérebro humano mais cresce e se desenvolve, por isso, não só os bebés “precisaram” começar a nascer mais imaturos perante o bipedismo, como é exatamente esta aparente imaturidade ao nascer que nos define e diferencia enquanto seres humanos – somos seres com um nível de complexidade social, emocional, psicológico e cultural como mais nenhuma outra espécie animal. Então, o bebé humano nasce “imaturo” porque ele necessita do contacto com outros seres humanos para se desenvolver em toda a sua plenitude (ou foi este desenvolvimento fora do útero que nos permitiu chegar ao que somos hoje?). Assim, a espécie humana deve o que é hoje, em grande parte, ao cuidado que presta aos seus bebés.

Outrora, e num passado nada distante se considerarmos os milhões de anos de evolução do ser humano, este cuidado era feito em extrema proximidade: pele com pele, colo, alimentação constante e feita à demanda do próprio bebé, vigilância permanente, adaptação aos ciclos do calendário solar. Perante a evolução tecnológica num pedaço recente da história, passamos a dispor de vários aparatos cujo objetivo principal é facilitar-nos o cuidado ao bebé: berços, carrinhos, cadeiras, baloiços, parques, leite adaptado. Com eles, chegou a mensagem de que o nosso bebé, para que se torne independente e um ser “capaz”, não deve dormir com o adulto nem andar ao colo do adulto, que a autonomia se promove pelo distanciamento no ato de cuidar. E o bebé, como se tem ele adaptado a toda esta parafernália tecnológica?

É aqui que entra a teoria da exterogestação como útil ferramenta para todos nós, enquanto cuidadores e mães/pais de bebés pequenos. A ideia será proporcionar ao bebé uma passagem mais tranquila ao meio ambiente exterior ao útero, uma transição mais suave, acalmar e proporcionar sensações de conforto e segurança, respeitar ritmos e necessidades tão próprias. 

Nos primeiros meses de vida, o bebé precisa de ser acompanhado constantemente para se desenvolver em toda a sua plenitude; precisa de toque para que sinapses neuronais tão importantes ocorram; precisa de embalo e movimento ao colo do adulto, com suas cadências tão distintas, para que o seu sistema vestibular se reequilibre; precisa de ouvir os batimentos cardíacos e a respiração do adulto, para que também ele coordene a sua respiração; precisa do contato visual próximo, cara a cara, até porque ele não vê bem ao longe nem perceciona a maior parte dos objetos que o rodeia; precisa de verticalidade para melhor digerir e defecar; precisa que a sua postura anatómica seja respeitada e não forçada a permanecer em posições que lhe são estranhas. O babywearing é um ótimo aliado porque nos facilita o ato do colo, enquanto nos dá autonomia a liberdade de movimentos a nós, e ao bebé a verticalidade e o movimento com contenção, a mimetizar a vida in útero.

O bebé, aliás, durante estes primeiros tempos de vida, vem “dotado” de uma série de instintos primordiais face à sua sobrevivência, ou reflexos, entre eles o de sucção, de busca ou de Moro. Em alguns destes, é percebida claramente a importância do colo, pois atuam como facilitadores do agarre/encaixe o corpo do adulto, como o de apoio plantar ou de colocação (placing). 

 A teoria da exterogestação serve para nos tranquilizar se temos um bebé muito “demandante” de colo e atenção: o bebé está apenas a faze cumprir o seu papel de bebé. Serve ainda para nos ajudar a ajustar as expectativas à realidade, serve para começarmos a abandonar expressões como “ele ainda não…”, serve para que vivamos mais o nosso dia-a-dia com um bebé pequeno aproveitando, saboreando, namorando, cheirando, abrandando. O período de exterogestação serve também para lançarmos as bases de relacionamento com o novo ser humano, deixar a oxitocina correr e o amor transbordar no fortalecimento de vínculo. O tempo de exterogestação é um tempo único e especial na nossa vida, quer enquanto bebés quer enquanto adultos cuidadores, é um tempo diferente de qualquer outro, que vem em intensidade de furacão, mas nos deixa memórias para a vida toda e com saudades mil. Por isso, em vez de canalizarem as vossas energias para o “já”, aproveitem o “agora”. Todas as dificuldades vão passar, é uma fase. 

E então quanto tempo dura a exterogestação? 

Segundo as correntes mais aceites hoje em dia, a exterogestação dura os primeiros 3 meses de vida do bebé, porém, diria que cada bebé é um bebé, e tranquilizados por percebermos alguns comportamentos e necessidades do bebé, o importante é observarmos o nosso bebé e nos deixarmos deliciar por esta fase. O bebé cresce, vai mudando, adquirindo novas competências, explorando o mundo. Não é que o bebé mude de um dia para o outro, a transformação vai acontecendo, nele e em nós. 

Susana Silva – Consultora de Babywearing