
Poucas vezes, um início difícil em qualquer história, tem implicações no seu “final feliz”. Aliás, habituamo-nos a ver e ouvir, exatamente o contrário. “Finais felizes” acontecem e são sempre bem-vindos em histórias com inícios difíceis.
No entanto, na história da amamentação, as coisas não são bem assim. O início, e tudo o que nele aconteceu, tem um impacto muito importante, na forma como o processo decorrerá, podendo mesmo condicioná-lo ao insucesso (ou sucesso).
Hoje escrevo-vos, sobre alguns fatores importantes a ter em consideração e que deverão ser alvo de reflexão, para a “escrita” de um final feliz da vossa história.
*Amamentar é um ato de amor.
Não significa, como muitas vezes erradamente é interpretado, que, uma mãe que não amamenta, ame menos o seu bebé.
Significa sim, que amamentação é contacto corporal, toque, olhar, comunicação, presença , entrega. Significa que, para além de uma forma de alimentar o bebé, com o alimento mais natural, vivo, equilibrado e saudável, amamentar é, antes demais, uma relação de amor entre estes dois seres.
E quanto mais olharmos de forma consciente para esta relação amorosa, mais facilmente acreditamos, aceitamos e confiamos no processo, e mais rejeitamos a ideia de controle, de insuficiência, de orientações, recomendações, etc. Afinal, em qualquer relação de amor, não há regras, horários, medições.
Nenhuma relação amorosa vicia ou deixará alguém “mal habituado”.
*Parto e amamentação estão intrinsecamente ligados e correlacionados.
Um início de trabalho de parto espontâneo e um parto vaginal aumenta a probabilidade de sucesso da amamentação.
Não existe melhor forma de sabermos se o bebé está pronto/maduro para o nascimento para além de confiar nele e na SUA hora.
A indução de trabalho de parto sem motivo clínico, aumenta a probabilidade de bebés com baixo peso, maior uso de fármacos analgésicos, partos instrumentados ou cesarianas urgentes. Sabemos hoje que, fármacos utilizados quer na indução/aceleração de um trabalho de parto, quer na analgesia epidural, têm relação direta com atraso dos reflexos inatos do recém nascido e dificuldades na sucção.
Trabalho de parto e parto fisiológico são um processo psiconeuroendocrinológico (a famosa frase “o parto acontece primeiramente na cabeça”). Modificá-lo, com recurso a fármacos ou intervenções (que não, as estreitamente necessárias) tem repercussões tanto na mãe quanto no bebé e por conseguinte na amamentação.
Também as intervenções, algumas ainda feitas de forma rotineira, imediatamente após o parto, são condicionantes de um bom, expectável e desejável início da amamentação (a aspiração de secreções, aplicação de colírio, injeção de vit K, ou rotinas de pesagem, medições e vestir o bebé, antes de cumprir a denominada ”hora de ouro”).
O contacto pele a pele, entre mãe e recém nascido, durante a primeira hora de vida e o total respeito pelos estádios do comportamento instintivo do bebé ao nascer, são um fator importantíssimo para o sucesso da primeira mamada e do processo futuro da amamentação. Razão pela qual a OMS /UNICEF recomenda que a primeira mamada aconteça na primeira hora de vida do bebé estando este em contato pele a pele com a sua mãe. Se não interferirmos neste momento, o bebé coloca em prática a sua capacidade e instinto inato para olhar, reconhecer, procurar a mama e mamar.
É importante, por estas razões, a escolha do local de nascimento. É crucial que, perante um desejo/projeto de amamentação, seja escolhido um local cujas práticas instituídas e/ou protocoladas promovam, apoiem e defendam a amamentação.
*Amamentar não dói.
É preciso valorizar e procurar ajuda profissional perante qualquer desconforto ou dor na amamentação, mesmo que essa dor surja nos primeiros dias.
*Precisamos valorizar mais o bebé e menos o seu peso.
O aumento de peso de um bebé nos primeiros meses é atualmente sobrevalorizado. Muitas vezes (vezes demais) olhamos e valorizamos mais a balança e as gramas que nos indica do que para o próprio bebé, para o seu comportamento e para as suas fraldas.
Um bebé alimentado suja fraldas (sugiro às famílias que escrevam esta frase num sítio onde a possam ler diariamente).
Cada bebé é um bebé, médias são médias, não há padrões de aumento de gramas onde possamos encaixar todos os bebés, não há percentis melhores ou piores, e bebés gordinhos não são sinónimo de saúde ou beleza. E o peso, é só, e só, um dos parâmetros de avaliação do desenvolvimento do bebé e nem tão pouco é o mais importante.
*Bicos artificiais não são, por norma, “amigos” da amamentação.
E por bicos entendemos biberões, chupetas e mamilos de silicone. Qualquer um destes promove no bebé aquilo que vulgarmente denominamos, “confusão de bicos”.
Para extrair o leite da mama, o bebé usa um conjunto de músculos crânio faciais (mandibula, língua, etc) que funcionam ativamente, coordenadamente e de forma única. Nenhum outro sistema ou utensílio permite esta coordenação, para além de que contribui sim para uma desorganização sensório-motora oral e que pode por isso mesmo contribuir para a confusão ou incapacidade de o bebé fazer a sucção “correta” na mama.
Portanto, se houver a necessidade de suplementar a amamentação, seja com leite de fórmula ou leite materno, é importante conhecermos as alternativas ao biberão. E as alternativas “amigas da amamentação” ou pelo menos, “não tão condicionantes” existem, e são e estão acessíveis a todos.
No que concerne aos pacificadores artificiais (chupetas) e porque existe uma cultura enraizada de que a chupeta é útil e necessária, é importante conhecer os riscos do seu uso e as possíveis interferência na amamentação, e com isso fazer opções conscientes.
Quanto aos mamilos de silicone, dada a “praga” atual, em que o seu aconselhamento hospitalar é feito de forma indiscriminada a toda a mulher com todo o tipo de mamilos e sem qualquer fundamento, ousarei dizer, não os utilizem (quase) nunca. Ou utilizem apenas e só após obterem ajuda especializada.
*Carregar o bebé é parte do sucesso da amamentação.
O colo é o local ideal para um bebé estar (e ser). O peito acalma, apazigua, dá segurança, aconchego, embalo. Estas são as necessidades primordiais do bebé nos primeiros 3 meses de vida, o denominado 4º trimestre da gestação ou exterogestação.
Muitos dos desafios ou dificuldades na amamentação (“bebé que não engorda”, má pega, “bebé sonolento”) são prevenidos e até solucionados com a ajuda do colo. O bebé alimenta-se não só de leite mas também do contacto corporal permanente com a sua mãe.
*Nem sempre corre “tudo bem”
Amamentar é exigente. Doar-nos a alguém, física e emocionalmente, 24h por dia não é fácil, nem sempre é cor de rosa e todos os sentimentos são válidos e devem ser acolhidos. Vão surgir desafios, dificuldades, dúvidas, inseguranças, receios. E está tudo bem se assim for. Não sintam é que “falharam” e não tenham receio em pedir a ajuda que precisam, para seguir o caminho que desejam.
Patrícia Capela Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstétrica e Conselheira em Aleitamento Materno