Toda a gente sabe que dormir com televisão faz mal. É senso comum que não devemos dormir com televisão nem ver televisão/mexer no telemóvel até adormecer. Mas faz mal porquê? E faz mal a quê? O facto de, a maior parte das pessoas, não saber exatamente o que acontece, faz com as mesmas desvalorizem totalmente esta recomendação e continua a ver televisão ou a usar o telemóvel na cama. Então hoje, na minha missão de educação para a saúde, mais especificamente para a saúde do sono, decidi explicar estes efeitos.
Já várias vezes referi que é um mito que dormir com luz e com barulho durante o dia ajuda os bebés a distinguir o dia da noite. Já expliquei várias vezes que sono é sono e sono deve ser sempre feito com boa qualidade. Então vamos perceber o que acontece ao nosso sono se o perturbamos com estímulos externos e porque razão não sentimos esses efeitos negativos.
Cada vez existem mais fontes de luz nos nossos quartos, seja a TV, sejam as luzes de stand by, sejam as luzes dos dispositivos de carregamento, telemóveis, relógios LED, enfim, uma lista interminável. Sem dúvida que a TV e o telemóvel são os mais perturbadores, mas, como vamos ver a seguir, todos prejudicam o sono.
Adormecer a ver TV, quem nunca? Quantas pessoas me dizes “eu não consigo adormecer sem a televisão ligada. Mas eu durmo muito bem! Que nem uma pedra!” Identificam este discurso? É familiar?
Vamos dividir os problemas da TV como indutor de sono em duas partes. O ruído e a luz.
Falando do ruído primeiro. O grande problema do ruído é a sua inconstância. O facto de haver mudanças de som e de tipo de som constantes, ainda que em volume baixo, obriga o nosso cérebro a estar em alerta, alterando a nossa atividade cerebral e, consequentemente, impossibilitando a entrada na fase do sono N3 (estadio de sono mais profundo). Isto altera o curso natural do sono já que o N3 se deve fazer maioritariamente na primeira parte da noite. Estes efeitos negativos na fisiologia natural do sono podem ir-se acumulando ao longo do tempo. Ou seja, quem adormece a ver TV com regularidade, poderá ter um atraso recorrente nesta fase do sono mesmo que não note nada.
Fazemos, num sono saudável de um adulto jovem, entre 4 e 5 ciclos de sono por noite. Se quando estou a passar para uma fase de sono mais profundo, há um estímulo externo (mesmo que eu não acorde), o meu cérebro vai ter que o processar e voltar atrás. Ou seja, esta estimulação pode atrasar ou mesmo diminuir o número de ciclos de sono. Por isso, não importa quando me dizem “mas eu não acordo” ou “mas o meu filho não acorda”. Estamos a interferir com o sono de forma negativa na mesma.
Em relação à luz, ainda é necessária muita investigação para perceber todos os impactos que a exposição exagerada à luz tem no nosso ritmo e no nosso sono mas há várias coisas que já sabemos, entre elas, que o nosso cérebro percepciona a luz exterior mesmo de olhos fechados e mesmo durante o sono. Além disso, a exposição à luz, particularmente à luz azul, antes de dormir aumenta a temperatura do nosso cérebro, através no nervo ótico, e isso atrasa o início do sono profundo.
Portanto, a exposição à luz, bem como as mudanças de tom na luz da TV enquanto dormimos terá um efeito fisiológico semelhante ao que expliquei para o ruído.
Em idades jovens é normal que as pessoas não sintam efeitos negativos destas práticas e digam que dormem bem na mesma. Tal como um fumador também não sente o efeito nocivo do tabaco nos primeiros anos, uma pessoa que trata mal o seu sono também não sentirá. O nosso corpo vai-se adaptando e vai, dentro do que é capaz, compensando. Comportamentos de má higiene de sono poderão aumentar os distúrbios de sono e/ou piorar distúrbios já existentes. Por isso, tal como devemos cuidar da nossa alimentação, tal como devemos praticar exercício, também é fundamental cuidarmos do nosso sono e do sono dos nossos filhos.
Por isso:
Evite a exposição a ecrãs, pelo menos, na hora anterior a ir deitar. Este período deve ser alargado nas crianças.
Não tenha dispositivos eletrónicos no quarto
Não utilize dispositivos eletrónicos para induzir o sono
Durma sem estímulos externos, ou seja, em ambiente de silêncio e escuro total.
Mais informação sobre o tema: Sleep Medicine Textbook, European Sleep Research Society, 2014 ou em https://aasm.org
Andreia Neves | Cardiopneumologista Especialista em Sono Pediátrico | Coordenadora Clínica Up2Kids Centro de Parentalidade